------- a coisa-em-mim -------

desaforismos. fábulas sem moral. egotrips. brainstorms.

quarta-feira, abril 18, 2007

dolls

Até achei bonita a cena das bonecas que eu embalava no colo como duas filhinhas felizes e bem-comportadas, a mamãe está tão orgulhosa de vocês por não cometerem o erro-mór de transformarem células em tecidos, tecidos em órgãos e órgãos em sistemas! Mas elas puxavam o cabelo da mamãe-gente que era eu, metáfora boneca preta de pano. Sem querer arrancaram uma das minhas tranças de lã, numa dessas típicas brincadeiras anômicas de bonecas sem ethos nem castração. Preenchida por retalhos retorcidos pregas e pontos arbitrários, descosturada comecei a sangrar seda. Mamãe está se desfazendo oh filhinhas queridas! Minha pleura de cetim dói tanto e a mamãe não consegue respirar com essa fenda assim, tão às escâncaras! Uma nesga, uma agulha e linha dupla, s'il vous plait! As filhinhas não foram buscar, e estáticas ficaram olhando a mamãe com um sorriso dulcíssimo de bonecas desanimadas, os olhos abertos contemplando nada ah essas bonecas quanta dissimulação! A mamãe assim fica muito triste com vocês, eu assim tão indecente, exposta, se fosse peixe: em postas, mas como boneca, assim tão esgarçada! Mamãe desgraçada esgarçada desgraçada esgarçada não falem assim comigo! As bonecas que só respeitavam crianças, queriam que eu sangrasse renda até a morte essas bonecas traidoras queriam a mamãe enforcada com as minhas próprias veias de linha. Eu que não era mais criança, muito menos mamãe de bonecas, desde o início disse que não brincava mais com elas, e que gostava dos peixes, só dos peixes com aquelas anomalias categoriais, e só da metafísica daqueles corpos brancos se chocando, e só dos metacorpos que eram as palavras resvalando! Eu não volto mais pra dentro daquela casa de bonecas mudas, não te deixo me devolver à elas! Não deixo mais os meus cabelos serem puxados, desde sempre são elas que brincam com os humanos!

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