------- a coisa-em-mim -------

desaforismos. fábulas sem moral. egotrips. brainstorms.

quarta-feira, novembro 21, 2007

joker.

quando pequeno eu era um dos meninos mais sérios e obedientes da paróquia, mas o meu maior segredo, que nunca ousei revelar, é que eu sempre sonhei em mastigar a hóstia na missa. tudo o que eu mais queria era sentir o corpo de cristo triturado pelos meus dentes, e que o sangue escorresse da minha boca na frente de toda aquela gente beata. eu queria sentir o gosto da carne dele, a textura e a maciez de um corpo sagrado e divino, mas o máximo que o padre permitia era que ele ficasse grudado no céu da nossa boca até se dissolver por completo. um céu nem um pouco divino, o dessa minha boca suja. muitas vezes eu fazia vômito esperando aquela massa se desfazer, e a região do céu da minha boca nesse momento se transformava num inferno.

todos os domingos eu dizia pra mim mesmo "de hoje não passa", mas uma interdição fortíssima me mobilizava, e não me deixava sequer encostar de leve os dentes naquele círculo branco.

o tempo foi passando, e com ele fui deixando acumular na periferia das minhas vontades, muitas dessas coisas secretas que não cheguei a concretizar.

desde os meus 12 anos deixei de frequentar toda e qualquer igreja. foi no mesmo ano em que mamãe morreu, e meu hábito dominical passou então a ser matar passarinhos com a forquilha. ficava eu sentado na pedra do jardim, absorto em algum pouso, calculando para que fosse fatal. foi assim que me distanciei daqueles hábitos de coroinha, e a auréola que me tinha sido ofertada, foi rapidamente se apagando; quando dei por mim, estava ateízado. simplesmente ter deixado de cumprir as obrigações protocolares de menino reto e cristão, deixou a minha crença em deus morrer de inanição. ateizei-me definitivamente aos 16.

já não apelava mais pra providência alguma. "o graças a deus" transformou-se em "graças a ateus", as folhas de seda da bíblia que empoeirava na estante, estavam todas mutiladas para uso pessoal. seguia a vida sem apelar pras coisas invisíveis e celestes. das coisas invisíveis, as únicas que me interessavam eram os conceitos. e a prova da inexistência de deus é que me tornei um acadêmico. não fui salvo, redimido, iluminado, nem coisa que o valha.

mas numa daquelas noites de insônia onde nada faz efeito, e os olhos se afundam cada vez mais no rosto, e você não consegue definitivamente se desligar, eu tive um insight enquanto enfiava a cabeça no buraco entre a cama e a parede. descobri que ainda acreditava em deus. ele ainda estava lá, no fundo de todas as minhas expectativas; eu ficava esperando das minhas ações alguma reação mais fantástica, numa espécie de dúvida moral, ficava esperando algum castigo ou prêmio, mas de quem? agora eu descobri que só poderia ser dessa criatura, ou melhor, desse criador. descobri que acreditava em deus. mas num deus sarcástico, sim, eu sempre tive a impressão de ser a piada interna de deus. uma private joke. e ele esperava a maior de todas as minhas convicções pra me destinar exatamente o contrário. ele sacava o maior dos meus medos e tudo o que eu mais abominava no mundo, e me presenteava com elas. não ousarei entrar em detalhes, de modo que isso é universalmente detectável, a perversão dEle.
Henry Miller já disse que o mundo é um grande peido. Eu diria que é uma grande piada cósmica, o que não é novidade alguma, o clichê dos clichês.
a ironia divina é mesmo implacável,
e eu estou verdadeiramente fodido.

Acordei com o pescoço completamente duro e dolorido. É que acabei adormecendo, de fato, com a cabeça enfiada entre o buraco da cama e a parede.
a ironia divina é mesmo implacável,
e eu estou verdadeiramente fodido.
(repeat ad infinitum)

0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial