------- a coisa-em-mim -------

desaforismos. fábulas sem moral. egotrips. brainstorms.

quarta-feira, novembro 28, 2007

uma chave.

noite passada quando não rompi os céus
quando plantei meu corpo devastado
no lençol a minha terra improdutiva
e assumi o soluço
a vertigem
a semente do desamparo,
pensei na solidão esquizofrênica
que é inventar nomes outros
pro que já tem nome.
pensei no que é ser outra
quando a mesma já não basta
ou não convém
ser a outra [de si] quando ela parte
é ausência positivada
fechei os olhos e sete vezes
respirei
pensando assim
eu sou ausência, o eco de algo fugidio
quase o tempo todo em mim.

sexta-feira, novembro 23, 2007

variações sobre um tema de sístole e diástole.

i) primeiro ela veio
com o silêncio
carregando nas mãos
uma flor
caída da árvore -
despetalada.

ii) n'outro dia foi a vez
do vento
que no rosto
feito boca
como um sopro
na queda da flor
naturalmente
se desfêz.

iii) depois veio com estrelas
emaranhadas nos cabelos
com o brilho
luzindo
a clareira
a queimadura
de fogo
bem na nuca.

iv) a menina trapaceava
trouxe um verso
pronto
pra ninguém
e recitava e entoava
o cântico dos cânticos
pro ouvido
surdo
que era igual
dentro da pedra
bruta.

v) atrás do coração
onde não havia tom
como uma
sala de concerto sem
público ou palmas
um recital
ofertado
pras cadeiras
vazias.

vi) o tamanho do anel
que passou de mão
em mão
é
[segredo] -
o que
não serviu no dedo
como a palavra
na coisa
[é sagrado].

vii) e
do anel
nasceu uma mão
uma
pequena mão
delicada -
de punho fechado
o anel preso,
encerrado.

viii) a mão
que se abriu
e
não se recolheu
depois de
acenada.

ix) como um riso
abriu as mãos
e
a flor com
os espinhos
mesmo que fenecida,
mesmo
despetalada.

quarta-feira, novembro 21, 2007

prosa

nem paris, texas. nem maracangalha. nem passárgada. nem macondo (na verdade, quase) nem lugar nenhum que mora num livro ou num filme. nenhum personagem que se mata no final ou mata um árabe. nenhum personagem que sai pelo deserto e não volta, que entra no teatro mágico e descobre algum segredo, muito menos alguma carlota que é virgem-maria, nem - graças a alguma força superior! - nenhum werther, aquele que não passa de um barango inflamado.
.
é assim uma trivialidade, uma pedra no meio do caminho, uma rosa é uma rosa é uma rosa, é na verdade uma pequenez que vez ou outra inventa mistérios e esfinges pra se acreditar maior.

joker.

quando pequeno eu era um dos meninos mais sérios e obedientes da paróquia, mas o meu maior segredo, que nunca ousei revelar, é que eu sempre sonhei em mastigar a hóstia na missa. tudo o que eu mais queria era sentir o corpo de cristo triturado pelos meus dentes, e que o sangue escorresse da minha boca na frente de toda aquela gente beata. eu queria sentir o gosto da carne dele, a textura e a maciez de um corpo sagrado e divino, mas o máximo que o padre permitia era que ele ficasse grudado no céu da nossa boca até se dissolver por completo. um céu nem um pouco divino, o dessa minha boca suja. muitas vezes eu fazia vômito esperando aquela massa se desfazer, e a região do céu da minha boca nesse momento se transformava num inferno.

todos os domingos eu dizia pra mim mesmo "de hoje não passa", mas uma interdição fortíssima me mobilizava, e não me deixava sequer encostar de leve os dentes naquele círculo branco.

o tempo foi passando, e com ele fui deixando acumular na periferia das minhas vontades, muitas dessas coisas secretas que não cheguei a concretizar.

desde os meus 12 anos deixei de frequentar toda e qualquer igreja. foi no mesmo ano em que mamãe morreu, e meu hábito dominical passou então a ser matar passarinhos com a forquilha. ficava eu sentado na pedra do jardim, absorto em algum pouso, calculando para que fosse fatal. foi assim que me distanciei daqueles hábitos de coroinha, e a auréola que me tinha sido ofertada, foi rapidamente se apagando; quando dei por mim, estava ateízado. simplesmente ter deixado de cumprir as obrigações protocolares de menino reto e cristão, deixou a minha crença em deus morrer de inanição. ateizei-me definitivamente aos 16.

já não apelava mais pra providência alguma. "o graças a deus" transformou-se em "graças a ateus", as folhas de seda da bíblia que empoeirava na estante, estavam todas mutiladas para uso pessoal. seguia a vida sem apelar pras coisas invisíveis e celestes. das coisas invisíveis, as únicas que me interessavam eram os conceitos. e a prova da inexistência de deus é que me tornei um acadêmico. não fui salvo, redimido, iluminado, nem coisa que o valha.

mas numa daquelas noites de insônia onde nada faz efeito, e os olhos se afundam cada vez mais no rosto, e você não consegue definitivamente se desligar, eu tive um insight enquanto enfiava a cabeça no buraco entre a cama e a parede. descobri que ainda acreditava em deus. ele ainda estava lá, no fundo de todas as minhas expectativas; eu ficava esperando das minhas ações alguma reação mais fantástica, numa espécie de dúvida moral, ficava esperando algum castigo ou prêmio, mas de quem? agora eu descobri que só poderia ser dessa criatura, ou melhor, desse criador. descobri que acreditava em deus. mas num deus sarcástico, sim, eu sempre tive a impressão de ser a piada interna de deus. uma private joke. e ele esperava a maior de todas as minhas convicções pra me destinar exatamente o contrário. ele sacava o maior dos meus medos e tudo o que eu mais abominava no mundo, e me presenteava com elas. não ousarei entrar em detalhes, de modo que isso é universalmente detectável, a perversão dEle.
Henry Miller já disse que o mundo é um grande peido. Eu diria que é uma grande piada cósmica, o que não é novidade alguma, o clichê dos clichês.
a ironia divina é mesmo implacável,
e eu estou verdadeiramente fodido.

Acordei com o pescoço completamente duro e dolorido. É que acabei adormecendo, de fato, com a cabeça enfiada entre o buraco da cama e a parede.
a ironia divina é mesmo implacável,
e eu estou verdadeiramente fodido.
(repeat ad infinitum)

quarta-feira, novembro 07, 2007

frag_____to

[On]
Estou tentando abrir um túnel na rocha bruta. Eu sei, sei que é penoso. Mas qual é a busca que em si mesma não traga sua pena? *

[On]
Confesso que nunca entendi o que se faz por aí: nos ônibus, nos bancos, nas filas, nas salas. Confesso que sempre fingi saber, que sempre fingi todo o meu interesse. O que se vê por aí correndo no céu e nadando nos ares é sempre aquela frustrante sensação de se afogar, mesmo no alto da mais alta montanha.

[On]
Nas vitrines que me vêem passar, eu retribuo o olhar e miro a efemeridade ambulante que sou, a transitar pelas ruas, ruelas e alamedas de uma metrópole caduca considerada moderna. Aqui as pessoas chupam o cão que o diabo amassou pela falta mesma de manga e de pão. Estes milhões de pessoas que não têm necessidade alguma de se conhecer, ostentam de modo tão semelhante a educação o ofício a velhice o soslaio...

[Off ]
Na escada, olha pr'os duros pés, os sapatos sujos de lama. Levanta-se e propositalmente suja de um extremo a outro, o corredor. O olhar, sujo de sono e torpor, é ofertado tão-somente ao chão. Mas e ela? A gana. Aquela vontade, não alheia e muito menos paralela, mas perpendicular, a rasgar tempos e espaços. Contaminada e suja pelo vermelho vivo da verdade - cor de coração - um foguete é ofertado ao céu em potência de explodir estrelas.

[On]
Estou tentando abrir um túnel na rocha bruta. Eu sei, sei que é penoso. Mas qual é a busca que em si mesma não traga sua pena?

[Off]
Bem sabia, experimentaria em fim em pleno a dor do mundo. Mas também seria por vezes tomada de um êxtase de prazer puro e legítimo que ela mal podia adivinhar. Aliás já estava adivinhando porque se sentiu sorrindo e também sentiu uma espécie de pudor que se tem diante do que é grande demais e incontrolável.*

[On]
Não quero a esperança, aquela "puta do vestido verde" que acena, mas não se despe e muito menos de despede. Mas sim a fita vermelha no pescoço de um jovem despido que me lance às gargalhadas da janela de algum sétimo andar. Vê! Expus enfim a jugular. O rosto ao sopro do vento e a cara à tapa.

[On]
Estou tentando abrir um túnel na rocha bruta. Eu sei, sei que é penoso. Mas qual é a busca que em si mesma não traga sua pena?

[On]
Uma dança sobre um chão de madeira lustrado imprimindo os trancos. Sabe-se lá onde vai dar, mas que não seja Dentro, aquilo que não é espaço, não é concreto, é puro inferno num abstratoabstrato. Uma dança sem o tempo que são os ponteiros flechas cravados no peito, sem aquela linha [do tempo mecânico] que ao final é de fazer a forca. Olhar pra trás e ver só uma música, que eu compus em compasso ternário, interpretei, e dancei a passos firmes, ainda que em descompasso com esse mundo binário. Ser nota, ser pausa, voltar a ser nota. A repetição nunca é uma repetição. Em música, toda repetição é diferença. Aquela música, listen to my HeartBeat: e ele todo em hemorragia.

[On]
Estou tentando abrir um túnel na rocha bruta. Eu sei, sei que é penoso. Mas qual é a busca que em si mesma não traga sua pena?

[* trecho da Clarice L.]