------- a coisa-em-mim -------

desaforismos. fábulas sem moral. egotrips. brainstorms.

domingo, outubro 21, 2007

eu gritava aqui do imenso mas o grito que me abria a garganta e me fulminava, no final não passava de um ruído mínimo, desfeito. então eu resolvi sair do imenso e ir pro menor, casulo/casca/redoma onde só cabia eu. então eu gritava aqui do menor mas o grito que me abria a garganta e me fulminava voltava pra dentro porque o ouvido era só meu. então eu resolvi sair do menor e ir lá pro meio, pátio/ponte/rua, onde havia as gentes com a indistinção e eu não entendia nada, aqueles ruídos, a turba cruzando os gritos e então eu resolvi parar de gritar, mas então de repente era como se fazer silêncio fosse conter o mundo na garganta, e então eu resolvi gritar mesmo que ninharia mesmo sem ouvidos, mesmo que o apelo fosse em vão no meio do caos. mas tem dia que não abre, a garganta, os ouvidos, nem o mundo abre, ele se recolhe se esconde e ninguém responde e ninguém vê.

e é como se eu gritasse novamente no imenso
como se não houvesse grito
nem eu
e
nem você

só o eco do nada
[que habita a casa do não
y del dolor]

domingo, outubro 14, 2007

sublimação.


Faça de conta que os cortes não passam de pinturas feitas a tinta num dia de festa onde todos só queriam assustar uns aos outros com esses efeitos vermelhos. Faça de conta que esses cortes que denunciam a sua hemofilia não atraem vampiros mas somente borboletas que se lambuzam de néctar, na primavera, verão, outono, inverno...e primavera. Tente esquecer então que não há linha cirúrgica, nem linha-de-pensamento, que não há linha alguma que permita um ponto que promova a união dos tecidos - do corpo, que não é de seda. Faça de conta que arder o corte com a água, arder o corte com a chuva é como sorver um ácido que cauteriza a sua fraqueza, e extirpa num só golpe o teu núcleo necrosado que nunca te faz presente. Ainda de olhos bem abertos a tudo o que acontece externamente, esqueça que esses cortes foram feitos pela baixeza e pela perfídia e eleve-se em pensamento crendo ser estes, estigmas crísticos. Ainda sem embaraço, faça de conta que o sangue que escorre corpo abaixo, em sua roupa limpa & branca retorna à terra, num movimento natural que nutre o solo e torna fértil. Mais uma vez, com os dedos, penetre os locais dos cortes e faça deles (dos dedos) instrumentos de pintura: um painel na parede da sala, um desenho em mesa de bar, um escrito qualquer num papel qualquer. Passe a chamar os cortes de sulcos, pregas, fendas e esqueça das células, da profilaxia, dos curativos. Trate-os como novos orgãos dos sentidos que recebem estímulos. Acostuma-te à incapacidade de supurar & trate de manchar cada canto escuro a que te convidam e permitem entrada.

quarta-feira, outubro 03, 2007

cronos

e se eu dissesse do tempo, do quanto ele me pesa os ombros como o céu em Atlas, do quanto ele me rasga as mãos e faz de cada passo meu um contratempo. que é como catar as entrelinhas nas linhas, flores abstratas em um jardim de ossos e concreto [em ruínas], é como desafiar. se eu dissesse do tempo como o sinto, quando vejo seu estrago, tempo é fogo que transmuta e queima a minha casa. não é nada senão isso que chamamos deus, onipresença e onipotência absoluta que devasta. ele passa e não sabe pra onde, confundindo os passos, empurrando, empunhando o sopro. tempo é vento, que carrega o mundo, que apaga seu próprio fogo, é o próprio deus se matando e se nascendo. talvez devesse aceitar o tempo, mas se eu dissesse do tempo, do quanto ele é impiedoso diante da espera, eu abro as mãos libertando-o e ele insiste insiste - me contrariando, em ficar.

a essência do tempo é ser assim, o meu contrário.

segunda-feira, outubro 01, 2007

toda repetição é uma repetição.

.poema.magro.

hoje
se eu fosse um
pássaro
estaria
sem penas
assim como uma flor
se desfaz
sem pétalas
hoje
eu depus as armas
perdi as defesas
esqueci
em casa
minha dureza tola
o ataque
cortei as garras
à faca
lavei as pinturas
de guerra
hoje
a rigidez dos músculos
dá lugar aos ossos
esquálidos
porosos
a música, em disco
arranhado
não cuspiria em nada
mas me sentaria
e encostaria
o corpo
em qualquer apoio
a cabeça
depositada
no colo - do outro
por isso
não me olhes torto
(por favor, nem me olhes no olho!)
pois estou
quase
a quebrar.