------- a coisa-em-mim -------

desaforismos. fábulas sem moral. egotrips. brainstorms.

sábado, março 31, 2007

nesta manhã, outono quente, o café,













" A felicidade é tão grande
.................que desperta os demônios,
os que se ocupam em gerar o medo,
pois de onde mais pode vir
...................................este pensamento sujo:
...
você exposto, nu,
à minha sanha de perfeição.
São teus pés que nunca vi
..............................que ameaçam minha vida
porque tua alma já é minha;
teu amor por orquestras,
tua inacreditável humildade.
Eu só quero o que existe,
por isso erijo este sonho,
concreto como o que mais concreto pode ser,
vivo como minha mão escrevendo
..............................................eu te amo,
não em português. Em língua nenhuma,
em diabolês, que quer dizer também
..............................................eu te odeio,
me deixa em paz,
não exija de mim tanta coragem.

(...)


Adélia Prado, O conhecimento bíblico

sexta-feira, março 30, 2007

síncope

Era um daqueles finais de tarde, em que os anjos brigavam cravando os dentes uns nos outros, e manchavam de vermelho o céu. Daqueles finais de tarde em que os anjos todos exangues, depenados, arfavam nãos cheios de bílis, deixando morrer os inocentes sufocados com os seus próprios perfumes. Eram as tardes em que caíam do ninho os pássaros, em que cadelas comiam os seus filhotes recém-nascidos encharcados de placenta, e simultaneamente à descida do sol, as garrafas de leite caíam impávidas no chão, derramando o líquido branco pelas cozinhas recém asseadas pelas empregadas, que cortavam nos cacos de vidro os seus desamparados pés descalços. Não fugia mesmo da cotidianidade esses finais de tarde, as buzinas dos carros que corriam sem onde, as gravatas corruptoras de humanidades, as bravatas lançadas por uns, com medo e empáfia aos outros. Os homens categorizados em seus humores sangüíneos, fleumáticos, biliosos e melancólicos, misturando-se orgiasticamente nas calçadas, os mesmos das bravatas, mas quem eram os uns e quem eram os outros? Eles que não podiam ser sem predicados. Se acotovelavam na superfície de uma grande esfera redonda, categorizados também em função dos astros que orbitavam uma grande estrela de fogo. Todos os dias jornais e revistas veiculavam seus doze possíveis destinos, que se cruzavam em pequenos parágrafos genéricos, como os remédios baratos que engoliam a seco. Eles que não podiam ser sem regência, não se admitiam notas casuais, e por isso forjavam tonalidades. Eram tristes melodias as deles. Num daqueles finais tétricos de tarde, em que os amantes faziam silêncio, e as cordas dos violinos se arrebentavam, era aí que a gente começava a fazer sentido, chafurdando o corpo nu todo no sangue que escorria do abandono dos anjos, caídos um-a-um daquele imenso céu escarlate.

quinta-feira, março 22, 2007

bloodsugar

foi uma vez, não, foram milhares de vezes. foram milhares de vezes as que eles me entregavam veias. veias vazias que eu deveria encher de mim que então me esvaziava e me enchia do vazio da anemia, perdia o vermelho pro branco, e era ruim a falta de ar. era uma vez ou outra que eu entregava as minhas, toma elas são suas, dizia eu, como quem pede ao vizinho com doçura, pra encher uma xícara de açucar. toma, elas são suas, enche, vai, se enfiltra, só uma pequena transfusão, não, eu não vou te tirar o vermelho, só preciso reatualizar minha corrente sangüínea, sabe, ela tem andado como uma virgem pálida. e então eu fazia um buraco no pulso esquerdo, agradecendo a abnegação alheia, oh quanta gentileza, e o sangue doado pouco a pouco preenchendo as veias murchas, restabelecendo o vermelho das pálpebras, sincronizando sístole e diástole, e tudo voltando a correr dentro do corpo, o transporte de água de ar terra e fogo. ah como isso é tão

tapando os olhos com as mãos pra não ver até onde e quando
ah como isso é tão
quase uma chuva gelada na aridez do sertão

quarta-feira, março 21, 2007

sobre sob entre trás.

essa escrita que não serve de nada,
[o meu modesto sal dissolvido na água].
essa fricção com as coisas distintas do mundo,
[a minha solução supersaturada].

cerúleo

soube que ele vinha do circo e ria sozinho, sempre convulso, às escâncaras. decidi então seguir sinestesicamente o escândalo das suas risadas com uma lanterna e uma navalha escondida na meia 7/8. caminhei pelas ruelas mais recônditas que os olhos de todas as mulheres mais tristes desse mundo, sem me dar conta do círculo que meus passos desenhavam. decidi cavar um buraco no muro, na rocha bruta, um túnel que me desviasse e deixasse entrever o que acontece desse lado-daí-de-lá. decidi passar o anel, e quando o passei, iluminei meu rosto com a lanterna, fiz que sim. o riso parecia longe, e o que eu ouvia, atenta, era a antecipação de um já-ainda-distante. fiz pausa. tomei a água, comi o pão e adormeci entre os buracos do muro. sonhei com uma cabeça de medusa que piscava seu olho direito e me mostrava a língua fazendo graça, antes de se transformar num peixe que se revoluteava no ar e sumia. eis que minha sombra me acordou, limpou-me os olhos, lavou-me os cabelos, e me pôs de pé com a lanterna nas mãos. eu disse adeus com um aceno, enquanto ela fazia um leve movimento de pescoço. despedimo-nos. subi degraus, desci ladeiras, escalei montanhas e o riso era perto, parecia certo. já sentia as cócegas subindo-me ao pescoço, as maçãs do rosto queimando escarlate pela boca entupida de palavras guardadas desde o útero materno. eis que comecei a cantar Hey honey, Take a walk on the wild side And the colored girls say, doo do doo do doo do do doo... eis que ele me aparece e eu disparo a chorarsorrindo por saber que gargalhamos de tão desgraçados, e assim é mesmo tão mais bonito! me banhando em lágrimas hilariantes de um hallelujah azul, solar sem fim sem fim sem fim sem fim sem
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"Na vida quem perde o telhado/Em troca recebe as estrelas/Pra rimar até se afogar/E de soluço em soluço esperar/O sol que sobe na cama/E acende o lençol/Só lhe chamando/Solicitando."

quarta-feira, março 07, 2007

silenzio


NO HAY BANDA! THERE'S NO ORCHESTRA!
IL N'Y A PAS D'ORCHESTRA!