caí no poço! - quem te tira?
diálogo de ruptura:
- Não é tanto que já não saibamos
- Sim, sobretudo isso, não encontrar
- Mas talvez o tenhamos buscado desde o dia em que
- Talvez não, e apesar disso cada manhã que
- Puro engano, chega o momento em que a gente se olha como
- Quem sabe, eu ainda
- Não basta só querer, se além do mais não se tem a prova de
- Está vendo, de nada vale essa segurança que
- Certo, agora cada um exige uma evidência frente a
- Como se beijar fosse assinar um atestado, como se olhar ...
Cortázar, in Um tal Lucas
daqui
...
E pra ela:
Sabe, querida, essa história de Godot não passa mesmo de leréia dos que buscam redenção. Leréia da humanidade inteira, minha & sua & deles. Esperar Godot é estar na ponta de uma reta assíntota: tender à, sem nunca chegar. É o barco que eternamente anda & anda & anda até a linha do horizonte, que no entanto recua & recua & recua. Eu já havia escrito na carteira da escola uma vez, assim: matar Godot é como matar a espinha dorsal do desejo, é como arrebatar o coração do mundo. Como isso soa apocalíptico, não é? E ao mesmo tempo absurdo: ele que não existe é condição de nós mesmos aqui, continuando a nos mover como formigas. Ele que não existe me faz mover em direção à ele, que no entanto, não está em lugar algum. Mais absurdo ainda é não podermos matar o que não existe, não pelo fato de não existir, mas pelo fato de que se o matarmos, somos NÓS quem deixamos de ser. Forjamos esse tal Godot, mas na verdade é sem objeto a nossa busca, porque sabemos, ainda que não queiramos saber, que nada nos salva, no máximo nos fortalece pra suportar de pé a próxima queda e a mudança dos ventos. Que seja Messias, que seja Godot, um horizonte adentrável, o juízo final, ou o fim da história, é duríssimo dizer, mas se encontrados, são heterônimos da morte, seja ela matada ou morrida. E aqui somos sujeitos da errância sem objeto, sem fim que não seja nada além de ir em direção à direção da direção à direção da direção, e assim saltando os galhos, os corpos em decomposição, saltando as próprias pernas que às vezes vacilam. O paraíso se perdeu há tanto, querida, que é necessário superar a nostalgia, mesmo se sentindo o caroço da maçã cuspido pelas bestas que devoraram o resto antes da queda. Qualquer objeto que elegermos será falso, quimera apaziguadora e só, no entanto tão necessária como a água. Ah querida, já deveríamos ver com olhos de quem sabe muito bem, que Essa própria coisa procurada, é o que nutre o nosso passo, e o que enfraquece por não ter.